19 de maio de 2009

RONDÓ DA PRISÃO DE CAMÕES NO PÁTIO DO TRONCO

Pelas bandas do Róssio
numa taberna de vinhos
guitarras e violões
levaram um dia preso
um Luís Vaz de Camões

foi preso por umas rixas
na Porta de Santo Antão
entre alguazis taberneiros
e fêmeas de ocasião.

Luís de Camões, Luís
fora à taberna da praça
tomar uns vinhos do Douro
dar ares de sua graça

...e quem sabe mais o quê...

Foi contar suas histórias,
seus trabalhos nunca usados
Aljubarrotas e rotas
sonhadas, depois vividas
a Calicutes e Goas
Por Chinas Áfricas Índias
de mares e terras boas

...e quem sabe mais o quê...
...beber seus vinhos do Douro
e quem sabe mais o quê...

Entre dois soldados d'armas
levado ao Pátio do Tronco
recebeu voz de prisão
do meirinho Sancho Bronco.

Quiseram tirar-lhes as armas
para deitá-lo no chão:
saltou à frente dos biltres
com sua espada na mão.

Passaram a pôr em termos
o processo da prisão,
à luz de fachos acesos
perguntou-lhe um escrivão
as perguntas de costumes
que fazem na ocasião:

Qual seu nome seu estado
sua idade e profissão
onde morou onde mora
se tem pai se tem irmão
se é solteiro se é casado
ou se vive amancebado
com alguma barregã,
onde perdeu um de seus olhos,
que coisa veio fazer
na Porta de Santo Antão.

"O que outros não navegaram
por terra e mar naveguei
e num mar de sangue em Ceuta
cinquenta mouros matei
na ponta de alfanje mouro
um de meus olhos deixei.

Perguntem meu nome ao Tejo
e às águas que vou cruzar
português de Portugal
morei nas léguas do mar
eles conhecem o meu nome
elas o sabem cantar.

Idade tenho a que tenho
mais a idade que terá
o reino de Portugal:
enquanto eu mesmo existir
este reino existirá
se morrer um de nós dois
o outro também morrerá.

Escrivão de suas lendas
curador de seus defuntos
destino meu e do reino
é viver e morrer juntos.
moro no mar e na terra
nem casado nem solteiro
sou servido em meus serviços
pelas sereias do mar.

De profissão fui soldado
e marinheiro do rei
e o reino sempre chegou
onde eu primeiro cheguei.
Hoje sou cantor das ondas
das velas em seus veleiros
das armas de Portugal
e seus barões cavaleiros".

Perguntado por seus bens
disse que tinha uma espada
uma lira uma guitarra
e um copo para beber
e que estes bens - sua espada,
o copo e a lira - sabia
manejar como ninguém,
nas Índias na Costa d'África
ou nas tascas de gaudérios
entre o Restelo e Belém.

De tudo isso vão dar conta
umas rumas de papel
que irá trazer de Macau
molhadas no sal das águas
em naufrágio no Mecongo;
com seus versos de dez sílabas
limados em boa lima
na língua melhor da terra
de estrofes de oitava rima.

tinha também umas glosas
em sonetos escandidos
sôbolos rios e mares
na língua de Portugal
e nesses versos guardava
o seu melhor cabedal
e o nome de uma senhora
dona de seu coração
mas não diria este nome
diante duma ralé
no pátio de uma prisão.

"Agora saiam da frente
que a espada que matou mouros
mata qualquer alguazil".
E pela porta de Pedra
abriu caminho entre os biltres,
o ferro fero na mão;
saiu cantando, de volta
à Porta de Santo Antão,
onde esperavam jograis
e vinhos verdes do Dão
os marinheiros da Índias
e as fêmeas de ocasião.

Fortaleza, 10/12/1998
Gerardo Mello Mourão (Algumas Partituras)

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