27 de agosto de 2010

Carlos Drummond de Andrade

A FLOR E A NÁUSEA

Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Uma flor nasceu na rua!
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
E soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

25 de agosto de 2010

Felicidade ou Revolução?

Tanto me disseram que felicidade não existia. Que era uma desculpa pra não ver o que acontece no mundo. E eu, sem entender, busquei-a; E tanto sofri e tanto apanhei, até entender e repetir as palavras de outros pra mim mesma: Felicidade não existe; ao menos não pra mim.
Quem nunca abriu os olhos ou nunca tirou as mãos da frente dele para deixar-se ver, pode dizer que é feliz.
Mas não eu, e nem você, que enxerga a tristeza do mundo. E que ao enxerga-la, automaticamente se viu triste também. Talvez por empatia, porque teu estômago doeu ao ver crianças pedindo um pedaço de pão, porque tua pele suja se fez ao ver os indigentes que dormem nas calçadas gélidas das noites frias, porque teu ser revolucionário se fez ao querer compartilhar esta luta.
Todas as pessoas que são felizes, tem seu Deus; Eu não sei que Deus eu tenho...
Todas as pessoas que são felizes dizem ter motivos; E eu, que motivos tenho?
Todas as pessoas que são felizes acreditam em um bom Capitalismo; E eu? Eu acredito em Comunismo.
Se você busca a igualdade nesse mundo, se você contesta a realidade na qual vivemos, então esqueça a felicidade. Realidade e Felicidade são palavras que não andam juntas. A verdade é que Felicidade não existe, é uma invenção daqueles que não querem ver o mundo tal e como ele é.
Ou você é um Revolucionário, ou você é feliz. Os dois não dá pra ser.
Eu sei que não sou feliz e você?

21 de agosto de 2010

Depois de ouvir Luiz Gonzaga Júnior

Para Angeline Carolino, Soraya Tubinambá e os que não se entregam.

Quando eu recitar,
Por ternura reflita
Que verso por verso
Eis aqui um poeta que acredita:
Na dignidade partilhada.
Na felicidade coletiva.

Assim, sigo resistindo.
São os sonhos desse nosso mundo
Que eu estou sorrindo.

Quando eu te beijar com poemas
em uma esquina alvissareira
ou em qualquer parte da vida
Não se engane,
é por uma “causa verdadeira”.

Sinta a rima dos meus versos livres
O frescor do mar no meu coração
E os meus dedos tão firmes
fitando todo o calor de revolução.

E se eu me calar
E a onda meu viver inundar
Não se renda, entenda
Que a tua bravura é mais um poema
Pra declamar.

Quando eu recitar
Por ternura, compreenda
É apenas uma forma de dizer.
O que é não se entregar.

(Razek Seravhat)

16 de agosto de 2010

Por outros tempos

Para Azenha e Camila Costa


Não é hora
E nem é fácil
Desacreditar.
Mas,
Entre a utopia
que não morre
E a esperança imensa
De caminhar,
Tem também
Esse tempo de insônia
e desternura.

(Razek Seravhat)

10 de agosto de 2010

Pequeno poema para quem não acredita

Quando o amigo do peito partir
e o universo no infinito sumir
quando o sorriso não encantar
e só a tristeza em tudo girar

Quando a espuma do mar se acabar
e o sapo não mais coaxar
quando o caos o silêncio acolher
e o ódio de novo viver.


Quando o último rio acabar
e a bravura do forte secar
Quando a fé, enfim, se esvair.
Ainda assim, Eu vou resistir!

(Razek Seravhat)

7 de agosto de 2010

Educação e desenvolvimento

Gazeta de Cuiabá, 06/08/2010 - Cuiabá MT
Educação e desenvolvimento - 3 - Juacy da Silva

Para bem entender o papel da educação no processo de desenvolvimento é fundamental que seja formulada uma questão básica: para que serve a educação? Normalmente as diversas correntes teóricas, metodológicas e doutrinárias (ou até mesmo as ideologias) acabam contemplando as seguintes funções para a educação: a) socializar e transmitir o conhecimento acumulado pela sociedade particular e pela humanidade; b) gerar novos conhecimentos através do desenvolvimento da pesquisa e da ciência; c) testar conhecimentos já existentes para solucionar problemas ou desafios que as sociedades enfrentam; d) preparar as pessoas, principalmente a juventude para as exigências do mercado de trabalho que está em constante mudança; e) formar cidadãos e cidadãs com capacidade de pensar criticamente, despertando a cidadania e fortalecendo valores e a democracia; f) formar a chamada massa crítica e os futuros governantes e ao mesmo tempo transformar as práticas sociais, econômicas, políticas e culturais.

Para que essas funções ou papéis sejam concretizados é fundamental que o sistema educacional de um país, de um Estado ou de um município seja organizado de forma articulada e contemple todos os aspectos da prática pedagógica, desde o aparato físico como prédios, laboratórios, bibliotecas, pessoal docente e de apoio preparado e em constante processo de atualização, recursos para a manutenção e expansão do sistema que possibilite uma remuneração digna aos trabalhadores e trabalhadoras da educação. Enfim, no caso brasileiro, para garantir o princípio constitucional estabelecido no "Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)" o Constituinte estabeleceu os papéis da educação e os princípios da organização dos sistemas educacionais e outros parâmetros.

O Artigo 205 da Constituição brasileira estabelece de forma clara que "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". Dermeval Saviani, um dos grandes pensadores educacionais brasileiros em recente entrevista disse textualmente que "a educação é o motor do desenvolvimento, a força da economia e fator importante em uma sociedade do conhecimento". Neste sentido, se a qualidade da educação de um país, estado ou município é baixa o país perde em poder de competitividade frente aos demais países que investem mais e tem melhor qualidade de ensino.

Para se ter uma idéia o Brasil oscila entre a 8ª a 11ª economia do mundo nas ultimas quatro décadas e de acordo com os dados da Unesco é o 85º país no ranking educacional considerando população atendida nos vários níveis educacionais, do ensino fundamental ao superior. Outro aspecto considerado são os investimentos realizados pelos países em educação, ciência e tecnologia em relação ao PIB. O Brasil investe em média 4% do PIB em educação enquanto a Austrália, a Noruega, os Estados Unidos, a Coréia do Sul, a Suécia investem entre 7,5% e 8,5% dos respectivos PIB. Entre 1970 a 2000 a Coréia do Norte investiu anualmente em média de seu PIB em educação, ciência e tecnologia o que explica em grande parte o salto qualitativo da economia daquele país e o avanço tecnológico verificado. O mesmo está acontecendo atualmente, o Brasil é o país que menos investe em educação, ciência e tecnologia quando comparado com os demais países do Bric (Rússia, Índia e China).

Em um pronunciamento bem irônico a respeito do descaso e da baixa qualidade da educação brasileira o Senador Cristóvão Buarque disse recentemente que pelo fato do Brasil ter perdido a copa pela segunda vez seguida e nesta ultima ter ficado apenas entre os oito países melhor classificado houve uma gritaria geral contra o técnico Dunga, mas pelo fato do Brasil ser o 85º país no ranking educacional da Unesco ninguém protestou ou criticou nem governantes de plantão e muito menos o povão. Assim, é compreensível que os resultados apontados pelo Enem, por exemplo, acabam caindo no esquecimento e nossa educação não cumpre seu papel como mecanismo impulsionador do desenvolvimento brasileiro. É uma triste realidade que precisa ser mudada com urgência. Educação só será prioridade no dia em que os diversos níveis de governo demonstrarem isto através dos orçamentos públicos. Educação como prioridade em discurso em época eleitoral é pura demagogia e mistificação!