31 de março de 2009

A CANÇÃO DO SENHOR DA GUERRA

Existe alguém Esperando por você
Que vai comprar A sua juventude
convencê-lo a vencer...
Mais uma guerra sem razão
Já são tantas as crianças
Com armas na mão
Mas explicam novamente
Que a guerra gera empregos
Aumenta a produção...
Uma guerra sempre avança
A tecnologia
Mesmo sendo guerra santa
Quente, morna ou fria
Prá que exportar comida?
Se as armas dão mais lucros
Na exportação...

Existe alguém
Que está contando com você
Prá lutar em seu lugar
Já que nessa guerra
Não é ele quem vai morrer...
E quando longe de casa
Ferido e com frio
O inimigo você espera
Ele estará com outros velhos
Inventando novos jogos de guerra
Que belíssimas cenas
De destruição
Não teremos mais problemas
Com a superpopulação...
Veja que uniforme lindo
Fizemos prá você
Lembre-se sempre
Que Deus está
Do lado de quem vai vencer...
O senhor da guerra Não gosta de crianças...

Composição: Renato Russo e Renato Rocha

30 de março de 2009

POEMA DE BRECHET*

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.

*Bertolt Brecht, (1898 -1956). Teatrólogo e poeta alemão.

29 de março de 2009

RELENDO UMA ORAÇÃO CELTA

Desejo,
Que viva um século,
E um ano a mais...
Para que possa se arrepender
Por ter vivido tanto.
Eu sei que um ano é muito
Para se arrepender do que não fez.
Se nada fez...
Porém, será pouco...
Caso comece a transformar
O mundo hoje.

Autor: Razek Seravhat

28 de março de 2009

ELES TÃO SE ACHANDO!

Quem? A Luizianne, os empresários de
ônibus e o Senado Federal!
Eles se acham os “bam-bam-bans”, a “bala que matou Kennedy”, o “ó do borogodó”...Tão achando até que podem aumentar o preço da passagem e limitar a nossa meia-cultural.
Na época do Juraci, impedimos que botassem o passcard nos transportes! O povo não se calou! Fizemos um monte de manifestações que deram certo: enquanto teve estudante na rua, não teve passcard.
Aí veio essa Lôra se fingindo de boazinha, dizendo que era diferente. Ela ganhou as eleições, se juntou com os donos dos ônibus e lascou todo mundo! A prefeita se reelegeu falando que a passagem não aumentou, que dia de domingo tem “tarifa social”. Ela só não disse que o dinheiro da tarifa social não sai do bolso dos empresários, eles só baixaram a passagem por que o governo diminuiu os impostos!
Agora a prefeitura e os empresários dizem que mesmo com ônibus lotado, sem conforto, demorando que só o cão pra passar; mesmo com trocador ficando desempregado e motorista tendo que fazer os dois trabalhos; mesmo com o empresariado pagando menos imposto e ganhando rios de dinheiro a passagem tem que aumentar! Esse povo é muito capitalista! Quanto mais ganha, mais quer!
Ah...e não pára por aí! Os senadores aceitaram um projeto de lei que vai diminuir nosso direito a pagar meia no cinema e nos shows! Na cabeça dos nossos senadores, quem faz cursinho pré-vestibular, curso de línguas ou curso profissionalizante não é “estudante” e não tem que ter direito à meia cultural!
Ninguém vai aceitar esse aumento, na verdade temos é que lutar pelo passe livre! A meia cultural não pode ser limitada e ela é direito de todo estudante!
Dia 30 de Março tem MANIFESTAÇÃO! 13:00h, concentração em frente ao CEFET!
Todo mundo lá!

PSOL/CE – Juventude do Meio Popular

27 de março de 2009

AO LEITOR

A tolice, o pecado, o logro, a mesquinhez
Habitam nosso corpo e o espírito viciam,
E adoráveis remorsos sempre nos saciam,
Como o mendigo exibe a sua sordidez.

Fiéis ao pecado, a contrição nos amordaça;
Impomos alto preço à infâmia confessada,
E alegres retornamos à lodosa estrada,
Na ilusão de que o pranto as nódoas nos desfaça.

Na almofada do mal é Satã Trismegisto
Quem docemente nosso espírito consola,
E o metal puro da vontade estão se evoca
Por obra deste sábio que age sem ser visto.

É o diabo que nos move e até nos manuseia!
Em tudo que repugna, uma jóia encontramos;
Dia após dia, para o Inferno caminhamos,
Sem medo algum, dentro da treva que nauseia.

Assim como um voraz devasso beija e suga
O seio murcho que lhe oferta uma vadia,
Furtamos ao acaso uma carícia esguia
Para espremê-la qual laranja que se enruga.

Espesso, a fervilhar, qual um milhão de helmintos,
Em nosso crânio um povo de demônios cresce,
E, ao respirarmos, aos pulmões a morte desce,
Rio invisível, com lamentos indistintos.

Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada
Não bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.

Em meio às hienas, às serpentes, aos chacais,
Aos símios, escorpiões, abutres e panteras,
Aos monstros ululantes e às viscosas feras,
No lodaçal de nossos vício ancestrais,

Um há mais feio, mais iníquo, mais imundo!
Sem grandes gestos ou sequer lançar um grito,
Da Terra, por prazer, faria um só detrito
E num bocejo imenso engoliria o mundo;

É o Tédio! - O olhar esquivo à mínima emoção,
Com patíbulos sonha, ao cachimbo agarrado.
Tu o conheces, leitor, ao monstro delicado
- Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão.

Autor: Charles Baudelaire
Tradução: Ivan Junqueira

26 de março de 2009

BONS AMIGOS

Abençoados os que possuem amigos, os que os têm sem pedir.
Porque amigo não se pede, não se compra, nem se vende.
Amigo a gente sente.
!Benditos os que sofrem por amigos, os que falam com o olhar
.Porque amigo não se cala, não questiona, nem se rende.
Amigo a gente entende!
Benditos os que guardam amigos, os que entregam o ombro pra chorar.Porque amigo sofre e chora.
Amigo não tem hora pra consolar!
Benditos sejam os amigos que acreditam na tua verdade ou te apontam a realidade.Porque amigo é a direção.
Amigo é a base quando falta o chão!
Benditos sejam todos os amigos de raízes, verdadeiros.Porque amigos são herdeiros da real sagacidade.Ter amigos é a melhor cumplicidade!
Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho,Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!

Para:

Angeline, Airton, Adelitta, Alexandre, Claudio, Erica, João e Razek.

25 de março de 2009

PROCURA-SE UM AMIGO

Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.
(Vinicius de Moraes)

24 de março de 2009

UMA POESIAZINHA DE NADA...

Não vou me entregar às horas tristes
nem vou endurecer perante a vida.
Continuarei flúida, livre, imersa
num rio de verdades perecíveis.
Não impedirei as minhas lágrimas,
nem desfolharei minha alegria,
meu sorriso cresce como árvores
que estão fortemente enraizadas em mim.
Caminharei com o sol iluminando passos.
O vento me recebe, me concebe.
Ser força, voz e tempestade,
mãos de luz, maciez, calor intrépido.
Ora obrigo minha solidão a esvair-se,
ora faço dela meu escudo.
Busco imensidões de mar e vida,
luto pelo longíncuo,
nego-me à rendição.
Que venham noites e sóis, música e filhos,
amores diversos, consistentes, permeáveis.
Vivo com a certeza da felicidade incrustada em meus lábios
e percebo a importância de períodos afogados em sombras
para tecer dias plenos de vertigens, abraços,
olhos cerrados, passos firmes e mãos dadas.

23 de março de 2009

ESPELHO MÁGICO*

DA OBSERVAÇÃO

Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio

DAS UTOPIAS

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!

DOS PONTOS DE VISTA

A mosca, a debater-se: "Não! Deus não existe!
Somente o acaso rege a terrena existência!"
A aranha: "Glória a Ti, Divina Providência
Que à minha humilde teia essa mosca atraíste!"


DA CALÚNIA

Sorri com tranquilidade
Quando alguém te calunia.
Quem sabe o que não seria
Se ele dissesse a verdade...


*Espelho Mágico(1951) foi o quarto livro do genial Quintana. Poeta que também se notabilizou por traduzir textos de Proust, Conrad e Balzac

22 de março de 2009

MONÓLOGO COM ÁLVARO DE CAMPOS

Álvaro _ Nunca conheci quem tivesse levado porrada.Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
Razek_ Sempre conheci que tivesse sofrido. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em nada.
Álvaro_ E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, indesculpavelmente sujo,
Razek_ E eu tantas vezes louco, tantas vezes triste, tantas vezes só, eu tantas vezes impreterivelmente idealista, misericordiosamente realista.
Álvaro_ Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, que tenho sofrido enxovalhos e calado, que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Razek_ Eu, que tantas vezes tenho tido impaciência para comer, Eu, que tantas vezes continuo sendo esdrúxulo, chato, que sequer tenho colocado meu pés em tapetes e muito menos sei o que é etiqueta, que tenho sido fiel, leal, autêntico e paciente, que tenho sentido gargalhadas e chorado, que quando não tenho chorado tenho sido mais triste ainda.
Álvaro_ Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado para fora da possibilidade do soco; eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Razek_ Eu, que sempre respeitei às criadas de hotel, por entender que suas profissões são tão dignificantes quanto a de um tradutor de poetas, eu que tenho ouvido atentamente as conversas dos moços de fretes, eu que não posso fazer vergonhas financeiras porque sequer tenho crédito para pedir emprestado, eu, que tenho evitado a hora do soco chegar para não ter que revidar, eu, que tenho sofrido a desesperança das coisas grandes e nem por isso as considero menos ridículas quanto aquelas pequenas coisas ridículas, eu percebo que tenho par em tudo isso neste mundo, principalmente, naquilo que diz respeito as injúrias, falácias e injustiças.
Álvaro_ Toda gente que eu conheço e que fala comigo, nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida...
Razek_ Toda gente que conheço e que me cumprimenta ou não, sempre teve uma desilusão, sempre sofreu por um momento ridículo em suas vidas, até mesmo aqueles que foram príncipes na vida.
Álvaro_ Quem me dera ouvir de alguém a voz humana que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;que contasse, não uma violência, mas uma covardia!
Razek_ Quem me dera ouvir de alguém a voz humana que fizesse não um gesto de paz, mas de rebeldia que entoasse não uma canção, mas uma revolução!
Álvaro_ Não, são todos o ideal, se oiço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos,
Razek_ Não, são todos o sumo da desumanidade humana. Quem há neste pequeno e infeliz planeta que me admita ser humano?
Álvaro_ Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Razek_ Pitomba! Estou farto de tanta gente!
Onde é que há poetas no mundo? Então sou só eu que sou infantil e louco nesta Terra?
Álvaro_ Poderão as mulheres não os terem amado,podem ter sido traídos – mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,como posso eu falar com meus superiores sem titubear? Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Razek_ Poderão os amigos os terem abandonados,podem ter sofridos - mas loucos nunca! E eu, que tenho sofrido sem ter sido louco como posso falar com meus comparsas sem vacilar? Eu, que tenho sido inumano, humanamente desumano,desumano no sentido caótico e imbecil da humanidade.
Álvaro_ Não: não quero nada.Já disse que não quero nada.
Razek_ Certo: Eu quero tudo.Tudo que ao povo for digno
Álvaro_ Não me venham com conclusões! A única conclusão é morrer.
Razek_ Não me venham com mais verdades, A única verdade é lutar.
Álvaro_ Não me tragam estéticas! Não me falem em moral! Tirem-me daqui a metafísica!
Razek_ Não me tentem corromper! Não me tragam bom senso! Pra fora de mim a nanociência
Álvaro_ Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas das ciências (das ciências, deus meu, das ciências!) - Das ciências, das artes, da civilização moderna.
Razek_ Não me empoleirem sistemas quânticos, não me empalhem com ídolos ou heróis do espaço( dos esportes, povo meu, dos esportes!) - das novelas,das bolsas de valores,da tecnologia moderna.
Álvaro_ Que mal fiz eu aos deuses todos? Se têm a verdade, guardem-a!
Razek_ Que luta travei com os povos todos?
Se querem igualdade, conquistemo-na!
Álvaro_ Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica. Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo. Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Razek_ Sou um doido, pois preciso da loucura pra suportar tanta crueldade. Fora disso sou poeta e não me importo senão me consideram. Com toda esta miséria, pra que mais um poeta?
Álvaro_ Não me macem, por amor de Deus!
Razek _ Não me vendo, nem por Deus, nem por amor ao dinheiro!
Álvaro_ Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável? Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa? Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos , a vontade. Assim, como sou, tenham paciência! Vão para o diabo sem mim, Ou deixem-me ir sozinho para o diabo! Para que haveremos de ir juntos?
Razek_ Queriam-me, passivo, morno, inerte e cínico? Queriam-me tudo isto e mais alguma coisa, nem se eu fosse Pessoa, daria-lhes este sossego, não adiantaria,não sou sagaz, levem o inferno daqui ou fiquem neste inferno por mim! Nunca seremos companheiros mesmo.
Álvaro_ Não me peguem no braço! Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.Já disse que sou sozinho! Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!
Razek_ Se querem me prendam! Algemem meu braço. Não estou sozinho! Vocês sabem que estou sozinho? Que absurdo! Pensarem que sou o único!
Álvaro_ Ó céu azul – o mesmo da minha infância - Eterna verdade vazia e perfeita! Ó macio tejo ancestral e mudo, Pequena verdade onde o céu se reflete! Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje! Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Razek_ Ó revolução dos meus cândidos amores,venhas triunfar nesta manhã sem brilho, tua certeza,tua ternura, trava a morte.Só tu tens a pira que ilumina a vida, iluminai! Anunciação dos povos.Tudo protestais, tudo conscientizais, tudo sois que eu não me entrego.
Álvaro_ Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo... E enquanto tarda o Abismo e o silêncio quero estar sozinho!
Razek_ Este não é o fim. Que a paz tarda e nunca chega! Pois, enquanto meu povo não vem, quero resistir.
Álvaro_ Coitado de Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa! Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!
Razek_ Coitado de Razek Seravhat, tão sozinho e melancólico. Coitado dele que nem sequer pena de si mesmo consegue ter!
Álvaro_ E, sim, coitado dele! Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam que são pedintes e pedem, porque a alma humana é um abismo.
Razek_ É sim, é só coitadinho! Tão vítima ele, que muitos que são tristes e entristecem que são suicidas e se enforcam porque a vida humana é vil.
Álvaro_ Eu é que sei. Coitado dele!
Razek_ Eu me importo, mas não tenho piedade dele!
Álvaro_ Que bom poder-me revoltar num comício dentro da minha alma! Mas até nem parvo sou. Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais. Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.
Razek_Que insulto querer-me um burguês, teórico e moderado, nem acadêmico eu sou! Nunca sequer freqüentei escolas de letras, ou tenho conhecimento científico: sou anticapitalista.
Álvaro_ Não me queiram converter a convicção: sou lúcido.
Razek_ Não me queiram convencer de mais esta asneira: sou anticapitalista.
Álvaro_ Já disse: sou lúcido Nada de estéticas com coração: sou lúcido Merda! Sou lúcido
Razek_ Já disse: sou anticapitalista. Nada de poesias teóricas ou abstratas: sou anticapitalista. Pitomba! Sou anticapitalista.

( Razek Seravhat)

Comentário
Certa feita entreguei este trabalho a um conhecido e ele disse que isto era suicídio literário e que eu deveria rasgá-lo, porque com Pessoa não se mexe. Não entendo, não é o contrário? Espero que o leitor possa deleitar-se com esta intertextualidade, criticá-la, dar boas risadas e se ela servir para construir um pouco de consciência na sua história de vida ficarei satisfeito, afinal somos amantes da literatura. Ah, Só pra registrar, esta releitura foi feita inspirada em poemas como Lisbon revisited e Poema em linha reta de Álvaro de Campos.

Com respeito, Razek. Ternura sempre!

21 de março de 2009

FORMAÇÃO POR INJUSTA IMPOSIÇÃO

Cata garrafa

Cata papelão

Cata coração

Acata solidão

Cata plástico

Cata comida

Cata vida

colhe bebida

Cataclisma

Cata dignidade

Cata na cidade

Acaba em saudade

Catavento

colhe odores

cata dores

catadores

Desamores

Pós-amores


(Razek Seravhat e Maccolle)

História desse poema: Estava o professor Augusto almoçando numa casa que vende marmitas, quando chegou um homem aparentando estar embriagado e pediu-lhe um real. Augusto, como bom humano e com fortes e profundas raízes cristãs na sua vida, tratou logo de agir como agiria qualquer ser que pertença a sua raça. Julgou muito mal o suposto embriagado e disse-lhe um sonoro não. Então, o homem pegou seu carrinho de catador de lixo e seguiu sua rotina. Augusto, mais por piedade do que por reconhecer a dignidade daquele trabalhador que embora faça uma importante atividade ecológica, é desprezado tanto pelo governo como pela população e que talvez seja mais humano do que Augusto e você que agora lê este relato. Chamou o catador de lixo e entregou-lhe um real acompanhado da seguinte frase:

_ Eu sei que um real não vai mudar a sua vida, mas é que eu pensei que você estava pedindo para beber e por isso disse que não tinha.

O catador recebeu a quantia e antes que o professor terminasse de falar se mandou sem agradecimentos mais com uma tristeza de quem carrega todo o sofrimento de Deus. Deus? Sim, porque um Deus que pode tudo, mas não faz nada, e pior, só age se o principal responsável de toda a truculência que há no mundo permitir. Deve ser como os masoquistas, gostar de sofrer.



Resumindo: para o catador de lixo o professor Augusto era apenas um real, mas para o professor o catador não era nada. É isso que o capitalismo faz. Destruir as relações e os sentimentos.

20 de março de 2009

O ASSUNTO É PALHAÇADA

Autor: Jessier Quirino
Adaptação: Razek Seravhat


Meu povo, o assunto é palhaçada. O motivo mais intuito desse meu particular é pra acabar com a palhaçada nas esquinas lamacentas do meu Brasil fatigado. O tempo aqui, meu povo, tá carrancudo e ardente feito caminho de camelo e nós suando mais que pistom de procissão. Honestidade aqui é muita pouca, não dá nos peito dum peba e a alegria é tão pequena que periquito e canário já tá comendo de coca.

Meu povo, o governo diz que tá tudo no controle, mas não caia de bobeira nessa conversinha, não. Palavra de governo é muito mais falso que aperto de candidato em dia de eleição.E pro falar em governo, nós tamo tudo é lascado nesse Brasil de meu Deus: nós só pega presidente mintiroso, estradeiro e mais medroso do que terceiro suplente de merda viva.

E a parlamentaida? Deus o live, meu povo!... ruim que só jerimum cheio d'água: Toma lá rouba da cá, da cá já toma do toma... e a corrupção vexada que só peba em areiaa frouxa. Os partiddo do contra, sem vergonha que só raposa criada em casa faz mais zuada do que namoro de gato... na hora do vamo vê, fica tudo assustado feito homem valente na agulha de enfermeira.

É tanto do ladrão solto, que se o cabra for direito, for pagador e honesto, é arricoso ser preso e apanhar feito couro do cabra pisar tabaco. A vida aqui, meu povo, tá mais cara do que ovo quando é tempo de quaresma e nós mais apertado do que São Jorge curvado na lua quarto minguante. Emprego tá mais difícil que político de palavra, e o pobre do salário mais desvalorizado do que juiz que não vende sentença. Os prefeito mais perdido do que caroço de pitomba perdido em boca de véi e o rumo da vereança bem dizer um rumo só invadir o Kuwait do povo, que vive feito canoa: manobrada pelo fundo e sujeito a afundar. Mas como quem tem perna curta levanta cedo e sai primeiro, aqui tô eu a cavucar vocês mode a gente acabar de vez com toda essa palhaçada.


Meu povo em matéria de promessa, sou desses cabra infalive feito doce de mamão servido em festa de primo, e já paguei a promessa que fiz pra mode casar. Casei-me com Gerolina de Manezim Côco, cabôca chegada ao feio, mas o meu povo sabedor que é, deve tá bem informado, pro cabra vivê em paz tranqüilo e assossegado, é casar com mulher feia e ter cavalo capado.

Sou mais eu do que Zézim Gallaalau: Prefeito de Miss Barreirra Nova_ bonitão e soletrado. Mas pro cabra ser prefeito tem que morar na fronteira, precisa tá sempre alerta. Galalau, abestaalhou-se e vem roubando de forma tão vistosa e amuada que já passa dos dez ano que vai pras europa passar o natal. Mas num vamo destá como tá, espero e confio numa resposta do povo, mode a gente acabar de uma vez com toda essa palhaçada.



O texto e a idéia original é do poeta Jessier Quirino*. O grifo é porque Razek Seravhat ADAPTOU a idéia DO TEXTO.


Jessier Quirino, Poeta nascido em Campina Grande,cidade localizada na Serra da Borborema na nossa querida Paraíba. Autor do livro Bandeira Nordestina e de contos e poemas sertaneijeiros, como ele próprio diz no prefácio do livro.

19 de março de 2009

POSTO QUE AMIGOS EXISTAM

Para

Luênia Aderaldo
Goretti Belém
Edmar Pinto
Rafael Carvalho
Adelita Monteiro
Erica e João
Angeline e Lilian
Alexandre Uchôa
Jean Maccolle
Aldo Filho
André Porfírio
Walber Nogueira

Certo. Então a amizade existe? E o amor também? E as pessoas se amam e são amadas. Todos e todas, sem exceção, somos leais, de uma reciprocidade felina tal que a nossa vida também é repleta de amor e amizade. Ou você se acha um ser iluminado, dotado de valores, docilidades e ternuras várias e franqueza inimaginável que é capaz de amar, mesmo no isolamento?
Se for assim,não redundaria em amor. Pois, com quem você repartiria tão formidável sentimento amoroso? Mas você é humano e por leviandade de sua raça, você é levado a crer ferrenhamente tanto no amor como na amizade. E a acreditar nisso de tal forma, que é capaz de criar mais cizânia e extermínio se alguém ousar duvidar de tão evidente e inquestionável certeza.
Então, para não criarmos, mas um conflito entre tantos que já existem no nosso mundo rodeado de prosperidade, abnegação e cuidado uns com os outros que são preceitos do amor e da amizade que você defende com absoluta exatidão e impressionável altruísmo. Admitamos no existir do amor e na concreta transparência reta da amizade.
Então, o que explica tanta, Indiferença, discórdia, Infâmia, mentira, ambição, guerra, ódio, fome, estupidez, desesperança, sofrimento, ganância, parcimônia, inércia, egoísmo, tristeza. No mundo que nós mesmos ajudamos a construir? De que me servem os versos, se não formam o poema? Pra que dizer: te amo. Se depois descobrirei que era melhor ter ficado sozinho? Ou então concluirei que o ódio é o amor ao avesso. Perdão, eu também sou carente, mas também sou humano o suficiente pra perceber que a exigência ou a excelência do amor, depende antes de uma satisfação que não é pessoal, mas sim social.
Eu até posso admitir que o amor e a amizade existam. Mas entre os seres ditos inferiores: Protozoários, Fungos, Vírus, Bactérias, Cianobactérias... Não! Não posso aceitar a essência do ato de ser amigo, enquanto meu vizinho é o regente de um coro formado por milhões e milhões de seres ávidos de amor e que compartilham a felicidade como meio de fazer grandes amizades e de preferência influentes, para conquistar uma boa afinidade social e assim conseguirem se promover na sociedade cheia de preciosas e profundas raízes de relação que geram e propiciam fortes e indeléveis amigos.
Sinto muito e sinto mesmo. Mas, é porque eu me recuso a acreditar na mercantilização dos sentimentos. Ou naquele amor que é grande só porque é de mãe. Amor é amor. Não é bolo que necessita ser confeitado. Se for amor não importa a natureza. Nós seres infames, medíocres e limitados temos a mania de tipificar tudo. Inclusive o amor e a amizade: Amigos só de infância, Amor verdadeiro só o de deus. Deus só existe porque convém. Afinal, de que me vale um deus que só age por meio da ação do homem. Deus é egoísta e quem crê nesse deus inútil o é mais ainda.
Senão vejamos: você dá a mão para um ônibus que não para. Logo depois descobre que o motorista daquele ônibus que não parou pra você, sofreu um acidente e todos os passageiros daquele ônibus morreram. Caso o ônibus que você deu com a mão parasse pra você e minutos depois que ele saísse, explodisse uma bomba matando todos que estavam na parada, inclusive crianças e gestantes, em questão de fração de segundo. Qual a sua sensação? Alívio? Tristeza?
Nem uma coisa nem outra. Você se sentiria eternamente agradecido a deus. Você e o seu deus só estão interessados em você e em suas vidinhas de amor tão mútuo, que em nenhum instante lembraram nem dos mortos do acidente, tampouco dos parentes das vítimas que na certa também irão elevar suas preces a deus e com devotada gratidão aceitar o fato como tragédia, fatalidade, ou conformidade. E alguém vai chegar e dizer: deus sabe o que faz. Outros do alto da inanição cerebral, peculiar dos humanos, proclamarão que agora os mortos estão melhores do que nós, pois foram levados para juntos da poderosa proteção da abençoada mão do criador. E os versículos serão recitados com tanta segurança que você se convencerá que tudo só ocorreu porque deus quis.
Percebeu? De um modo ou de outro deus é invencível. E você que é tão temente a deus permanecerá cheio do amor divino. Mas se você tivesse morrido no acidente ou no atentado, mesmo assim deus conservar-se-ia infalível, pois não faltariam fiéis para afirmar que deus só quer perto dele quem é boníssimo. É nisso que consiste a invencibilidade do criador de todas as coisas.
Mas, nada disso transcorreu. Portanto, você que aceita a existência da amizade e do amor de forma irrefutável. O que faz depois de passado o susto? Agradece a deus por ele ter salvado a sua vida. Ou seja, deus com sua misericórdia infinita sequer se importou com crianças, gestantes e dezenas de passageiros, isso por que ele estava preocupado com uma única pessoa que era você.
Não é um milagre? Eu diria que é um impressionante e complexo grau de egoísmo só digno dos homens amigos e amorosos, que além de inventar deus sabem com louvor gerenciar e perpetuar o deus altíssimo que só age com consentimento da criatura que supostamente ele criou. Afinal, deus é onipotente, mas não é mal educado e, portanto não pode nada, nem ao menos diminuir o caos que se instalou no planeta e que você insiste em assegurar que é um belíssimo ambiente e bastante propício para o surgimento do mais puro amor e da interminável amizade sincera.
A propósito, por onde andam os grandes amores daquelas garotas que morrem ou que morreram vitimas de um aborto, que é inclusive criminalizado por nossa sociedade tão amável e repleta de amigos? Eu até posso me convencer que o amor e a amizade existam. Mas, no dia que nós, seres ditos superiores aprendermos a partilhar a lágrima e o pão, a terra e a solidão. Por enquanto eu só acredito na construção do poder do povo, Em prol da transformação social.


(Razek Seravhat, com ternura)

18 de março de 2009

SEU DOTÔ ME CONHECE ?

(Patativa de Assaré*)

Seu dotô, só me parece
Que o sinhô não me conhece
Nunca sôbe quem sou eu
Nunca viu minha paioça,
Minha muié, minha roça,
E os fio que Deus me deu.

Se não sabe, escute agora,
Que eu vô contá minha história,
Tenha a bondade de ouvi:
Eu sou da crasse matuta,
Da crasse que não desfruta
Das riqueza do Brasil.

Sou aquele que conhece
As privação que padece
O mais pobre camponês;
Tenho passado na vida
De cinco mês em seguida
Sem comê carne uma vez.

Sou o que durante a semana,
Cumprindo a sina tirana,
Na grande labutação
Pra sustentá a famia
Só tem direito a dois dia
O resto é pra o patrão.

Sou o que no tempo da guerra
Contra o gosto se desterra
Pra nunca mais vortá
E vai morrê no estrangêro
Como pobre brasilêro
Longe do torrão natá.

Sou o sertanejo que cansa
De votá, com esperança
Do Brasil ficá mió;
Mas o Brasil continua
Na cantiga da perua
Que é: pió, pió, pió...

Sou o mendigo sem sossego
Que por não achá emprego
Se vê forçado a seguí
Sem direção e sem norte,
Envergonhado da sorte,
De porta em porta a pedí.

Sou aquele desgraçado,
Que nos ano atravessado
Vai batê no Maranhão,
Sujeito a todo o matrato,
Bicho de pé, carrapato,
E os ataques de sezão.

Senhô dotô , não se enfade
Vá guardando essa verdade
Na memória, pode crê
Que sou aquele operário
Que ganha um nobre salário
Que não dá nem pra comê

Sou ele todo, em carne e osso,
Muitas vez, não tenho armoço
Nem também o que jantá;
Eu sou aquele rocêro,
Sem camisa e sem dinhêro,
Cantado por Juvená.

Sim, por Juvená Galeno,
O poeta, aquele geno,
O maió dos trovadô,
Aquele coração nobre
Que a minha vida de pobre
Muito sentido cantou.

Há mais de cem ano eu vivo
Nesta vida de cativo
E a potreção não chegou;
Sofro munto e corro estreito,
Inda tou do mermo jeito
Que Juvená me deixou.

Sofrendo a mesma sentença
Tou quase perdendo a crença,
E pra ninguém se enganá
Vou deixá o meu nome aqui:
Eu sou fio do Brasil,
E o meu nome é Ceará.


*Patativa do Assaré, poeta do interior cearense que fez do árduo cotidiano do sertanejo e da busca pela reforma agrária temas para o fazer poético.

17 de março de 2009

TOME CINCO CAMARADA

(Costa Sena*)


Tome cinco camarada,
Tome cinco dedos magros,
Dessa mão encaliçada,
Que trabalha desde moça,
Pra se manter levantada.
Símbolo de luta e de greve,
Da classe assalariada.

Tome cinco camarada
Pela xícara de café
No frio da madrugada
Dizer-me palavra amiga
Na hora mais esperada
Pelo seu companheirismo
Tome cinco camarada.

Tome cinco camarada
Por acreditar em mim
Quando ninguém acreditava
Pelo piso, pelo pão,
Pela comida esquentada,
Pelo aperto de mão
Tome cinco camarada.

Tome cinco camarada
Por sua doce palavra
Que nunca me foi negada
Pela passagem do ônibus
Quando eu estava sem nada
Por uma reforma agrária
Tome cinco camarada.

Tome cinco camarada
Tome cinco pela vida
Estranhamente engraçada
Fome, chuva, sede, sol,
Qual criança abandonada
Por cima de pau ou pedra
Tome cinco camarada



* Costa Sena, Poeta que se encontra atualmente em São Paulo. Tive o prazer de conhecê-lo no Conjunto Ceará.

16 de março de 2009

CLAREIA( Adeus Gorz)

Um tempo sarcástico para tão blasée vida.
E amanhã não serei mais eu.
Estou certo disso! _ a pós-modernidade também.

Adeus! Despeço-me hoje. Ainda há tempo.
Não faço teia sou caramujo. Sartre que o diga.
Que me importa não sou mais eu.

O candelabro lúcido cumpre seu papel.
A barba feita, o sapato engraxado pela última vez.
Lembrança de Viena, luta de classe... Marx dói.

No morto que não sou mais eu apenas o odor.
Postura firme, porém inerte.
Abolido, enfim debruço-me.

(Razek Seravhat, poeta da dor e da melancolia)

1. André Gorz, filósofo austríaco que se matou e convenceu a esposa a matar-se junto com ele, em 24/09/2007. Este poema cheirando a ridículo foi minha melhor saudade.

15 de março de 2009

SONETO DO AMOR TOTAL

(Vinicius de Morais)


Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.


Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.


Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.


E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

14 de março de 2009

QUERO, QUERO MUITO

Todas las vozes, todas
Todas las manos, todas

(Mercedes Sosa)

Não sou Poeta.
Quem lê ou faz poemas,
Sabe disso...
Nunca fui Poeta,
Um dia, quis ser,
Agora, já não quero mais.
Eu quero é o suave canto
De Mercedes Sosa,
O verso meticuloso
De Leminske.
Embalando,
As lágrimas dos povos,
Que transbordam,
Transgridem,
E desintegram toda a fúria
Do novo velho mundo.
Não sou Poeta,
E posso até ser,
Mas, não quero...
Eu quero,
A donzela tentada,
O folião pensante,
A santa estúpida,
Irmanados e irmanadas,
Num só campo,
A debulhar...
A espiga da igualdade,
A mastigar o sangue,
Da esperança molhada,
Aguerrida,
Lúcida,
Tal e qual
Formiga de roça,
Crua e cálida
Como a solidão,
Dos deserdados,
E deserdadas,
Que se aproximam,
E aproximam
Aproximam...
E são tantos,
Tantos e tantas,
Que a poesia
Deixa de ser melancolia
Pra ser estandarte
Que carrega o tempo,
E a morte desafia.
Não sou poeta,
Nem quero ser.
O que quero e quero muito,
É um coral de revolucionários,
Que cante e convença,
A todos e todas
a cantar,
Num só coro,
O hino pela liberdade,
Pela justiça...
Que se acolhe,
E afasta,
Afasta...
O torpor intransigente,
Das manhãs anoitecidas,
Adormecidas,
no furor,
Da cantiga silente.

(Razek Seravhat)

13 de março de 2009

EMBRIAGUEM-SE

É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.

Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.

E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: "É hora de embriagar-se! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso". Com vinho, poesia ou virtude, a escolher.

Autor: Charles Baudeleire
Tradução: Ivan Junqueira.