8 de agosto de 2009

Poema em Linha Reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Álvaro de Campos(Heterônimo de Fernando Pessoa)

3 comentários:

  1. ISSO SÓ PODE SER PROVOCAÇÃO!
    UM DOS PIORES POEMAS DE TODA LITERATURA EXISTENTE. SÓ O ESTRELISMO DE PESSOA PARA PRODUZIR TAMANHA ARROGÂNCIA.

    SEM TERNURA...

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  2. Não quero ser arrogante Razek, mas é preciso reconhecer a qualidade da poesia. Parabéns Luênia!

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  3. Contraponto:

    Razek_ Eu, que sempre respeitei às criadas de hotel, por entender que suas profissões são tão dignificantes quanto a de um tradutor de poetas, eu que tenho ouvido atentamente as conversas dos moços de fretes, eu que não posso fazer vergonhas financeiras porque sequer tenho crédito para pedir emprestado, eu, que tenho evitado a hora do soco chegar para não ter que revidar, eu, que tenho sofrido a desesperança das coisas grandes e nem por isso as considero menos ridículas quanto aquelas pequenas coisas ridículas, eu percebo que tenho par em tudo isso neste mundo, principalmente, naquilo que diz respeito as injúrias, falácias e injustiças.

    Dizendo de outra forma: é muito fácil se achar o tal e assim se eximir do cuidado que se deve ter com a transformação social. E outra, Quem é Pessoa ou melhor Álvaro, para achar que também não contribui com o caos do seu tempo. É facil fazer arte literária difícil é fazer arte revolucionária, revolucionária do ponto de vista de Marx.

    Ternura sempre...

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Ternura Sempre...