6 de outubro de 2009

Aos Colegas Professores

Aos Colegas Professores

*Augusto César Tavares

Setembro, tarde quente. Gritos de desespero. O despreparo do guarda reproduz uma cena cinematográfica. Apesar da crueldade, prossigo e embarco para mais uma viagem em um Paranjana lotado. Irreligioso, finjo ter coragem. Em pé nos degraus, ironizo a mensagem: não estacione aqui. À minha direita, duas senhoras conversam futilidades. Aborrecido, cansado e pensando na notícia da morte de um colega que tivera da sua vida, a dignidade subtraída, fujo pra esquerda. Vejo-me diante de uma figura exuberante. Incomum. Difícil explicar: a face parece que fora acarinhada por um colibri, O olhar enternecido, amaciado por uma cor que sugere tenacidade. Os lábios, impossível descrever, contudo, não consigo deixar de admirar aquele sorriso peralta.

Procuro desviar minha atenção, afinal, tenho motivos suficientes para saber que o amor à primeira vista não tem fundamentação científica, e pelo o que me consta, meu lado afetivo, difere da minha vida profissional que em contrapartida, merece ser valorizada. Num descuido do condutor, o contato do ônibus com a via esburacada produziu um estrondo que só não foi maior do que o impropério que proferiram para homenagear a atual prefeita da capital alencarina. Viagem ligeira, apesar dos pisões e dos solavancos encontro espaço para observar o que restou da poluída lagoa da Parangaba, outrora tão retumbante. Outra vez escorrego o olhar temerosamente. O belo às vezes nos causa medo. As futilidades das duas senhoras dissipam-se diante do enigmático pensamento que busca em vão reconhecer belíssima criatura. O condutor para o veículo e eu desço, ou melhor, desceram-me. Ainda desvencilhando-me da multidão, sou novamente levado para aquele sorriso peralta e surpreendido por uma interjeição afirmativa que provoca um diálogo no mínimo rejuvenescedor:

_Professor, lembra de mim!

Pronto. Estava desfeito o mistério. A partir daí conversamos sobre cinema, o quinto semestre de administração, poesia, iniciação a pesquisa, a rispidez do viver, o mestrado, os novos sonhos, os objetivos, os ideais, os projetos e lamentei não termos conversado a respeito de política. No entanto, estava contente, pois me senti diante de uma mulher de vinte e três anos que se dizia grata por ter sido minha aluna na sétima série, ao passo que eu, atribuía a ela, os meus cabelos embranquecidos.

Despedi-me, recebi um aperto de mão fortalecedor e antes de subir no próximo coletivo fiz-me uma pergunta sincera, digna de um professor de matemática. Qual a probabilidade de um encontro casual acontecer duas vezes em menos de meia hora?

*Professor da Rede Municipal de Ensino da Cidade de Fortaleza. Extraído do lenitivocultural.blogspot.com

4 comentários:

  1. Olhe, pra um bom educador, que sabe agregar o conhecimento difundido pela escola, pelos livros para a vida, o cotidiano de cada aluno, com humildade, paciência, generosidade, aceitando as diferenças culturais, financeiras, ideológicas, espirituais, etc..., Isso ocorre constantemente!!
    Basta a Solanja (minha moto 92) de deixar na mão, e eu ter que pegar o campus do pici pra ir trabalhar.
    Pense numa SATISFAÇÃO de ver meus ex-alunos!! E um deles ainda ser o trocador!!! É muita emoção, cara!

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  2. Muito bem, professor, adorei o jeito literário com as palavras, pois cada palavra nestas frases nos envolvem nesta leitura. Abarço!

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  3. Parabéns pelo seu dia, Augusto.

    Te cuida!

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  4. Augusto, my friend

    Você é a figura mais querida (desculpe-me os outros ...) do Lenitivo Cultural.
    Teria muito à contar, mas posso lhe adiantar que você quem me descobriu como escritor on-line.
    Lembra-se do "Dia Seguinte" e seu admirável chamado para participar do grupo LENITIVO? Do blog que me deu de presente?... vai longe!
    Todos te adoram.
    Um abraço
    Odécio Mendes Rocha
    E-mail: mendesrocha2@gmail.com
    Fortaleza-CE., 13.10.2009

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Ternura Sempre...