22 de março de 2011

Defendo a causa racial

Hoje pela manhã eu usava uma camiseta com um macaco estampado, uma das camisetas que mais gosto. Meu sobrinho de 8 anos chegou e disse: “Esta camiseta parece com o fulaninho.” Perguntei o motivo da comparação, então ele me disse que era porque o fulaninho era muito preto. Eu disse a ele que então eu e ele também parecemos macacos, pois somos negros, ele riu e disse: “Sim tia, mas tu é mais preta, parece mais.” Fiz toda aquela conversa pedagógica para ensinar a ele conceitos diferentes dos que a sociedade ensina, porque mais uma vez percebi o quanto temos a aprender e ensinar neste país.

Passei mais de ano fora do Brasil vivendo num país dominado por todos os tipos de preconceito, em contato constante com pessoas de diversas nacionalidades. Várias vezes ouvi que devo ser feliz porque no meu país há uma verdadeira democracia, porque aqui todos são iguais, independente de cor de pele, de gênero, de religião, de opção política, enfim.

Algumas vezes, quando comparava a nossa situação a de outros povos, me alegrava muito por ter nascido brasileira, noutras vezes, sentia-me envergonhada por ter que decepcionar as pessoas e dizer que a realidade não é assim, ou por ver que alguns países estão muito mais avançados do que nós.

Em agosto de 2009 quando defendi minha dissertação, apresentei a Lei 10639/03 que torna obrigatório o ensino de conteúdos ligados à África e aos afro-descendentes no país. O trabalho recebeu louvores de alguns, mas ouvi na minha banca que o meu trabalho era engajamento do Movimento Negro, um panfleto. Ali ficou evidente uma faceta do preconceito na acadêmia – lugar de produção do saber. Aquilo me fez pensar e repensar minha trajetória, seria panfletário meu trabalho, seria hora de mudar o rumo do que estou estudando? Mas eu não posso negar a minha história e minha luta, e independente do que pensam ou pensarão: eu defendo a causa racial sim, e mais do que defendê-la, torno-a meu objeto de estudo e motivo de luta.

Defendo a causa racial, porque ouvi uma pessoa dizer que compraria henê para usar nos filhos que ainda não planejei ter.

Defendo a causa racial, porque vi muitas pessoas torcendo o nariz para o meu cabelo trançado quando retornei ao Brasil, diziam-me que voltei bem africana, quando eu estava na Ásia.

Defendo a causa racial, porque ouvi minha tia dizer que o meu atual cabelo, crespo e estiloso, está horrível e que eu deveria usar o meu chanel lisinho novamente, pois ele é mais social e combina mais comigo que estudei bastante.

Defendo a causa racial, porque em situações de trabalho já fui preterida por pessoas de pele mais clara que a minha, quando os seus currículos não poderiam ser igualados ao meu.

Defendo a causa racial, porque já ouvi gente dizer que cotista não precisa saber o conteúdo de uma prova. E por me terem dito que eu sou um gênio, pois nem usei as cotas para chegar à universidade - como se os negros precisassem das cotas por serem menos capazes.

Defendo a causa racial, porque vejo brancos e negros julgando e valorizando as pessoas pelo tom de suas peles, pois ainda acreditam que é necessário clarear o mundo.

Defendo a causa racial, porque sou uma educadora que sonha com um mundo melhor, onde todas as pessoas tenham o direito a uma vida digna, independente das marcas que carregam em si.

Defendo e defenderei a causa racial, porque ela reflete a minha história, a história da minha família e a história daqueles que morreram lutando por igualdade entre as pessoas.

21 de março - Dia Internacional contra a Discriminação Racial

Por Rosilene Costa

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